terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Um rio, personagem importante na história da escravidão no Brasil.





“É preciso, no entanto, lembrar que a ocupação das margens da baía não se fazia de forma uniforme. As terras de massapê foram sendo desmatadas e ali implantados engenhos, próximos ao litoral, em áreas inundáveis pelo mar ou rios, o que facilitava o escoamento do produto, e grandes plantações de cana-de-açúcar, propriedades de agricultores que entregavam sua produção aos engenhos. Já nas margens do Paraguaçu, desde então e em terras inadequadas por serem arenosas para o plantio de cana, expandia-se o cultivo de fumo, ampliando os deslocamentos sobre as terras indígenas, a escravização de seus habitantes e, consequentemente, os conflitos. As regiões de Jaguaripe e Maragogipe especializaram-se na produção de alimentos, principalmente farinha de mandioca e hortaliças, além de madeiras. Depois foram introduzidos os plantios de arroz, gengibre, pimenta do reino e canela a partir de mudas e sementes trazidas de vários pontos do império lusitano. Schwartz (1988, p. 173) afirma que, no fim do XVII, da vigorosa Mata Atlântica, encontrada em 1501 por Américo Vespucci, restava uma pequena faixa ao sul do Jaguaripe. As demais já haviam sido derrubadas para dar espaço à agricultura e para fornecer madeira para a construção de casas e embarcações ou ainda para alimentar os engenhos. Essa expansão, cujo período áureo ocorreu entre os anos de 1570-1612, para ser explicada necessita que associemos o sucesso financeiro da economia açucareira com a política metropolitana de distribuir sesmarias a pessoas capitalizadas e a nobres com grande influência na corte, como os condes de Castanheira e o de Linhares, Álvaro da Costa, filho do governador Duarte da Costa, e Mem de Sá.”
“Na primeira metade do século XIX, a área abrangente da Comarca de Nazaré das Farinhas girava em torno de, aproximadamente, 1.841,86 km2. Nazaré havia deixado de ser um distrito da histórica vila de Jaguaripe e assumira, em 1831, a condição de sede jurídica regional, justificada, dentre outras coisas, pela imponente urbe e pelo seu porto que ligava parte do Recôncavo com Salvador e com o mundo. Uma vila portadora de um cais tão movimentado, de extrema importância econômica regional, também se tornava local apropriado para a circulação e contatos entre negros escravos e libertos, os quais trabalhavam em diferentes ofícios, que iam desde carregadores e embarcadiços a marinheiros e mestres de lancha. Essa quantidade de sujeitos escravizados iria ser incrementada pela chegada de novos conterrâneos nas últimas décadas de comércio de seres humanos.”
“Notícias esparsas, colhidas com acuidade numa documentação inédita, guardada no Arquivo Municipal de Jaguaripe, dão conta de que a ilha do Medo, uma pequena área insular, situada à frente da ilha de Itaparica, e próxima a Caboto – no continente, era local de acomodação de cativos clandestinos por volta de 1834. Mais tarde, em 1846, o Cônsul britânico afirmou que na verdejante ilha de Itaparica, do outro lado da Baía de Todos os Santos, haviam sido construídos locais de desembarque, de onde os recém-chegados eram levados para os depósitos de escravos da cidade e vendidos sem qualquer interferência. (CONRAD, 1985, p. 135)”
“Naquela ocasião, conforme correspondência encaminhada por uma autoridade da vila de Jaguaripe, mais de cem africanos boçais,  procedentes da ilha, haviam sido capturados, quando eram conduzidos, através de comboio, em direção ao interior do Recôncavo. Logo no momento do alarde da notícia do cortejo de africanos caminhando na direção das matas de Jaguaripe, autoridades locais armaram uma milícia e conseguiram interceptar os cativos clandestinos enviando- -os imediatamente para a capital.3 Neste episódio, as autoridades haviam logrado sucesso, mas em outras oportunidades não foi exatamente isso que ocorrera naquela parte do Recôncavo. Maximiliano de Habsburgo ainda noticiava, no ano de 1860, uma prática muito comum usada pelos proprietários locais, após a proibição do tráfico negreiro, para despistar os poderes locais, responsáveis pela repressão do tráfico clandestino.”
“Assim como acontecera em Itaparica, em outras localidades litorâneas da Comarca de Nazaré avolumavam-se queixas, denúncias e acusações de “desova” de africanos clandestinos após a sua proibição, sob a cumplicidade de autoridades locais. A facilidade de navegação pelos grandes rios da região, como o Jaguaripe, o rio da Dona, o Jiquiriçá e o Paraguaçu, este último subindo na direção de Cachoeira e São Félix, proporcionava aos traficantes e negociantes de cativos uma movimentação estratégica e acesso a locais de difícil patrulhamento. Os traficantes também possuíam redes de intermediários e contatos com indivíduos ligados ao comércio de escravos espalhados pelos povoados da região. Era uma espécie de efeito cascata, até chegar à ponta do negócio, regia uma ampla teia de conluios, tecida e posta em prática desde a sua origem.”
“Quando as embarcações adentravam naqueles grandes rios, seus asseclas logo apareciam remando canoas e barcos de pequena cabotagem para melhor e mais rapidamente transportar a mercadoria de “seres humanos” até terra firme. Em outras ocasiões, faziam o desembarque nas praias do litoral, nas proximidades da vila de Jaguaripe, nas imediações da barra do rio Jiquiriçá, em locais conhecidos até hoje por Camaçandi e ilha D’Ajuda, ambos pertencentes ao distrito da Estiva. Em 5 de maio de 1843, a Câmara Municipal de Jaguaripe enviou uma correspondência alertando as autoridades provinciais para o fato de que, além do tráfico ilegal:O distrº da Estiva tem em si alguns elementos de desordem, e ali aparecem não só alguns crimes de ferimentos, como de furto de escrºs, o q attribui a ser o mmº. Distrº. q limitta plº lado do Este com o Ociano, lugar mtº próprio pª o desembarque dos escºs. furtados, e sua condução pª o sul, e matas.”
“Nas vilas de Jaguaripe e Maragogipe, por sua vez, fora registrado, já em 1816, um total de 11.521 escravos. No final do século anterior, no entanto, em 1781, Jaguaripe havia acusado uma população escrava em torno de 725 indivíduos, enquanto em 1846, a Freguesia da Aldeia, pertencente a Nazaré, computou 278 cativos. (BARICKMAN, 2003).”
Fonte: BAIA DE TODOS OS SANTOS_ASPECTOS HUMANOS Carlos Caroso, Fátima Tavares, Cláudio Pereira


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