“É preciso, no entanto, lembrar que a ocupação das margens
da baía não se fazia de forma uniforme. As terras de massapê foram sendo
desmatadas e ali implantados engenhos, próximos ao litoral, em áreas inundáveis
pelo mar ou rios, o que facilitava o escoamento do produto, e grandes
plantações de cana-de-açúcar, propriedades de agricultores que entregavam sua
produção aos engenhos. Já nas margens do Paraguaçu, desde então e em terras
inadequadas por serem arenosas para o plantio de cana, expandia-se o cultivo de
fumo, ampliando os deslocamentos sobre as terras indígenas, a escravização de
seus habitantes e, consequentemente, os conflitos. As regiões de Jaguaripe e
Maragogipe especializaram-se na produção de alimentos, principalmente farinha
de mandioca e hortaliças, além de madeiras. Depois foram introduzidos os
plantios de arroz, gengibre, pimenta do reino e canela a partir de mudas e
sementes trazidas de vários pontos do império lusitano. Schwartz (1988, p. 173)
afirma que, no fim do XVII, da vigorosa Mata Atlântica, encontrada em 1501 por
Américo Vespucci, restava uma pequena faixa ao sul do Jaguaripe. As demais já
haviam sido derrubadas para dar espaço à agricultura e para fornecer madeira
para a construção de casas e embarcações ou ainda para alimentar os engenhos.
Essa expansão, cujo período áureo ocorreu entre os anos de 1570-1612, para ser
explicada necessita que associemos o sucesso financeiro da economia açucareira
com a política metropolitana de distribuir sesmarias a pessoas capitalizadas e
a nobres com grande influência na corte, como os condes de Castanheira e o de
Linhares, Álvaro da Costa, filho do governador Duarte da Costa, e Mem de Sá.”
“Na primeira metade do século XIX, a área abrangente da
Comarca de Nazaré das Farinhas girava em torno de, aproximadamente, 1.841,86
km2. Nazaré havia deixado de ser um distrito da histórica vila de Jaguaripe e
assumira, em 1831, a condição de sede jurídica regional, justificada, dentre
outras coisas, pela imponente urbe e pelo seu porto que ligava parte do
Recôncavo com Salvador e com o mundo. Uma vila portadora de um cais tão movimentado,
de extrema importância econômica regional, também se tornava local apropriado
para a circulação e contatos entre negros escravos e libertos, os quais
trabalhavam em diferentes ofícios, que iam desde carregadores e embarcadiços a
marinheiros e mestres de lancha. Essa quantidade de sujeitos escravizados iria
ser incrementada pela chegada de novos conterrâneos nas últimas décadas de
comércio de seres humanos.”
“Notícias esparsas, colhidas com acuidade numa documentação
inédita, guardada no Arquivo Municipal de Jaguaripe, dão conta de que a ilha do
Medo, uma pequena área insular, situada à frente da ilha de Itaparica, e
próxima a Caboto – no continente, era local de acomodação de cativos
clandestinos por volta de 1834. Mais tarde, em 1846, o Cônsul britânico afirmou
que na verdejante ilha de Itaparica, do outro lado da Baía de Todos os Santos,
haviam sido construídos locais de desembarque, de onde os recém-chegados eram
levados para os depósitos de escravos da cidade e vendidos sem qualquer
interferência. (CONRAD, 1985, p. 135)”
“Naquela ocasião, conforme correspondência encaminhada por
uma autoridade da vila de Jaguaripe, mais de cem africanos boçais, procedentes da ilha, haviam sido capturados,
quando eram conduzidos, através de comboio, em direção ao interior do
Recôncavo. Logo no momento do alarde da notícia do cortejo de africanos
caminhando na direção das matas de Jaguaripe, autoridades locais armaram uma milícia
e conseguiram interceptar os cativos clandestinos enviando- -os imediatamente
para a capital.3 Neste episódio, as autoridades haviam logrado sucesso, mas em
outras oportunidades não foi exatamente isso que ocorrera naquela parte do
Recôncavo. Maximiliano de Habsburgo ainda noticiava, no ano de 1860, uma
prática muito comum usada pelos proprietários locais, após a proibição do
tráfico negreiro, para despistar os poderes locais, responsáveis pela repressão
do tráfico clandestino.”
“Assim como acontecera em Itaparica, em outras localidades
litorâneas da Comarca de Nazaré avolumavam-se queixas, denúncias e acusações de
“desova” de africanos clandestinos após a sua proibição, sob a cumplicidade de
autoridades locais. A facilidade de navegação pelos grandes rios da região,
como o Jaguaripe, o rio da Dona, o Jiquiriçá e o Paraguaçu, este último subindo
na direção de Cachoeira e São Félix, proporcionava aos traficantes e
negociantes de cativos uma movimentação estratégica e acesso a locais de
difícil patrulhamento. Os traficantes também possuíam redes de intermediários e
contatos com indivíduos ligados ao comércio de escravos espalhados pelos
povoados da região. Era uma espécie de efeito cascata, até chegar à ponta do
negócio, regia uma ampla teia de conluios, tecida e posta em prática desde a
sua origem.”
“Quando as embarcações adentravam naqueles grandes rios,
seus asseclas logo apareciam remando canoas e barcos de pequena cabotagem para
melhor e mais rapidamente transportar a mercadoria de “seres humanos” até terra
firme. Em outras ocasiões, faziam o desembarque nas praias do litoral, nas
proximidades da vila de Jaguaripe, nas imediações da barra do rio Jiquiriçá, em
locais conhecidos até hoje por Camaçandi e ilha D’Ajuda, ambos pertencentes ao
distrito da Estiva. Em 5 de maio de 1843, a Câmara Municipal de Jaguaripe
enviou uma correspondência alertando as autoridades provinciais para o fato de
que, além do tráfico ilegal:O distrº da Estiva tem em si alguns elementos de
desordem, e ali aparecem não só alguns crimes de ferimentos, como de furto de
escrºs, o q attribui a ser o mmº. Distrº. q limitta plº lado do Este com o
Ociano, lugar mtº próprio pª o desembarque dos escºs. furtados, e sua condução
pª o sul, e matas.”
“Nas vilas de Jaguaripe e Maragogipe, por sua vez, fora
registrado, já em 1816, um total de 11.521 escravos. No final do século
anterior, no entanto, em 1781, Jaguaripe havia acusado uma população escrava em
torno de 725 indivíduos, enquanto em 1846, a Freguesia da Aldeia, pertencente a
Nazaré, computou 278 cativos. (BARICKMAN, 2003).”
Fonte: BAIA DE TODOS OS SANTOS_ASPECTOS HUMANOS Carlos
Caroso, Fátima Tavares, Cláudio Pereira
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